Excerto do Pegasus - O cofre da Sensibilidade: ( O fado do errante )
A história desenrolava-se, estávamos já sentados no restaurante e íamos pedir a refeição quando, de repente, saímos disparados, perante o olhar atónito do empregado de mesa.
À nossa frente tínhamos o rio, sentámo-nos naquelas margens e começámos a chorar, abraçados um ao outro. Eram lágrimas e mais lágrimas…lágrimas de libertação de agonia, de raiva, de ressentimento, de dor e de uma manifestação de impotência perante a realidade dos factos.
Aquele rio recebia o choro incontido, transportava-o na sua forte corrente até ao mar. Um mar salgado que abraçava as injustiças do mundo em suas águas, que se agitava em ondas contínuas para moldar e transformar os penedos e as rochas, em algo sem arestas, vincadas e cortantes.
Um mar que irá querer sempre transformar e polir as íngremes costas da insanidade, do preconceito, da dependência, da falta de solidariedade…e que não pára, vai e vem…vai e vem…vai e vem e não se cansa, porque essa é sua missão!
Esse mar alimentava-se das nossas lágrimas, bem como, das lágrimas de um mundo que não tem medo de dizer que sente, que não sabe ser insensível, invisível perante as atrocidades.
Das nossas caras saía um fluxo salgado, a dor era transformada numa gota cristalina e pura depois, em mais outra e mais outra, unindo-se na comunhão, com o mar…desejávamos que aquela força gigantesca penetrasse no vazio que agora ficava dentro de nós, para que com a mesma intensidade e persistência infinitas, pudéssemos fazer algo que melhorasse o mundo à nossa volta.
Alívio, leveza e cumplicidade foi o que sentimos após aquela libertação.
Beatriz disse-me que se sentia impotente. No hospital falara com a jovem Madalena (já reparaste no nome?) e ela dissera-lhe que não tinha família viva. Ao falar na possibilidade do filho ter que ir para uma instituição, desmentiu a questão de não ter família...