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A mulher do próximo - Conto "Uma hora de pecado"


|“A MULHER DO PRÓXIMO”|

UMA HORA DE PECADO

Passas todos os dias da semana à mesma hora. Não sabes que desta esplanada te contemplo e escrevo sobre ti. Hoje, trazes uns tacões finos que te colocam num pedestal. Como se fosses uma escultura da Afrodite de Cnido do escultor Praxíteles, feita para contemplar mas nunca para ser saboreada de uma forma real. Sim, chamo-te Afrodite, assim como, te daria o nome de todas as deusas, ninfas ou feiticeiras que representam o amor.

Vens na minha direção como vens sempre…mas não me vês! Sou invisível à luz da tua iris, apesar de todos os dias estar aqui. Agarraste teus longos cabelos pretos a um elástico, fazendo um rabo-de-cavalo…nem imaginas como eu gostaria de ser teu cavaleiro!

As “leguins” coladas escrupulosamente aos contornos abaulados e buliçosos do teu corpo… Hum! São areia movediça! Como adoraria ser sugado por ela! Afogar-me, vezes sem fim, nesse tortuoso campo humedecido de prazer. Um campo que só a ti te pertence e que só entra quem tu quiseres. Provavelmente, deixarás que esse escravo, que todos os dias te acompanha, o faça. Vê-se que é um miserável pedinte rogando por um pouco dessa tua majestosa abundância.

Serás feliz com esse teu súbdito?! Será que ele te dará tudo aquilo que eu já te dei, nos mirabolantes recalcamentos da minha imaginação erótica? Será que alguma vez te fez entrar numa órbita orgástica, que se vai repetindo, como um carrossel, vezes sem fim? Será ele capaz de tomar posse do teu corpo, como um demónio? Terá forças para parar perante o exorcismo da tua vontade?

Teu rosto, despido de cabelos soltos, realça a delicadeza de teus contornos. A mão Divina que os desenhou teve a ajuda do diabo que os encheu de tentação. Nos teus olhos negros, há um abismo de força centrifuga que me convida a mergulhar numa escuridão cheia de luz. Tuas grandes pestanas sabiamente enroladas para enrolar alguém! Teu fino e ligeiramente arrebitado nariz, feito a preceito para destacar teus lábios. Esses, que carregas de vermelho-paixão, são volumosos contornos de volúpia feitos pecado que levarei até ao caixão.

Não acredito! Não ficaste no balcão como de costume e vens sentar-te nesta esplanada. Teu escravo leva o carro e vai-se embora…e tu ficas?! Nunca tive a graça e a desgraça tão próximas de mim!

Vejo, claramente, teu top azul transparente debruado por um bolero azul e dourado. Quem me dera dançar esse bolero! Sim, dançar nesses devaneios que são teus seios, o bolero de Ravel. Começar, lentamente, no acorde suave da excitação menor e subir, ritmadamente, até à apoteose final…sendo que o “extasy” se encontra em toda a composição. Ai! E esse teu umbigo foi composto para enfeitiçada dança do ventre e as mil e umas noites!

(…)

Como foste capaz?! Fiquei com a caneta atravessada nos contornos da tua existência…abafada, hipnotizada sem conseguir delinear uma linha que fosse, há uns segundos atrás. Maquiavélica, sádica como ousaste seduzir-me dessa maneira tão vil? Viraste-me as costas e agachaste-te, lentamente, antes de sentares no sortudo cadeirão que iria receber teu colo. Esse teu coração invertido deixou o meu, elasticamente, pervertido. Tornaste-me alpinista e essas duas montanhas que meus olhos admiravam eram paraíso que desejava explorar em teu vale profundo. Até ouvi o cântico austríaco das montanhas…”odeleyyyeyey odeleyyyeye”, enquanto meu bastão se mostrava pronto para a magistral exploração.

Há minha volta vejo crepitantes olhares, sinto que não sou o único a desejar explorar esse mar ondulante. Se cantasses, terias levado, todos nós, para o caminho da perdição como as sereias faziam com os pescadores. A mim, já me levas porque me fazes pecar! Não há poro de minha alma que resista ao teu encantamento… Não há célula que não amaldiçoe a vibração do tormento de não poder-te possuir!

Lembro-me de ti no colégio…daquele acne demonstrando tua tenra idade mas que em nada retirava tua beleza. Passavas por mim altiva (uma Diva) sem dares conta da minha presença. Meus olhos de garrafa, aliado ao meu aspeto franzino, em nada contribuíam para que repousasses teu olhar sobre mim. Não fazia parte desses padrões de beleza que as adolescentes adoram. E, eu maltratava-me com corrosivos julgamentos, mutilando minha autoestima.

Não eras da minha turma. No entanto, entrava à socapa na tua sala de aulas, na hora do recreio, para te deixar aqueles poemas de amor. Era teu amante secreto. Meu momento sublime, era ver teu sorriso e o comentário com tuas coleguinhas de turma, acerca da beleza de minhas palavras. Lia os poetas mais ilustres para depois construir aqueles versos que tu devoravas com entusiasmo. Aí, sentia-me nas nuvens…admiravas-me pelas palavras que te escrevia e não pelo corpo esbelto e bem esculpido de Adónis que na tua imaginação poderia ter.

Foi nesse colégio que te vi nua pela primeira e única vez. Já tinhas teu corpo de mulher bem formado. Nunca mais fui o mesmo depois do que contemplei. A tramoia bem engendrada dos meus quatro colegas tinha dado certo. As paredes que separavam os balneários femininos e masculinos no ginásio do colégio tinham um respiradouro. Retirada a grelha com perícia e colocados uns bancos para fazer de escada, ficamos com acesso a essa parte mais alta da parede. Um binoculo com um espelho na frente direcionável e ficamos com acesso ao harém.

O acesso para o “voyerismo” não podia ser melhor, mesmo por cima dos chuveiros femininos. Ainda, guardo aquela imagem como se fosse hoje. A água caindo cálida sobre os teus longos cabelos pretos de índia. Dançavas com os cabelos de um lado para outro enquanto teu corpo fazia o resto da coreografia estonteante. Vi teus seios, belos e firmes arrematados por dois belos bicos rosáceos arrebitados. Na medida perfeita, nem muito grandes, nem muito pequenos…nem muito arrebitados, nem muito descaídos. E a sensualidade das tuas costas?! Os ombros retos…a cintura estreita que alargava docemente na tua anca para desenhar um coração…coração esse que escondia o jardim secreto de todos os meus sonhos…e as pernas altas, esculpidas com precisão para te tornar um monumento.

Foste a responsável por acordar com o pijama e lençóis molhados, durante uma infinidade de tempo. Tentava disfarçar e esconder da minha mãe para que ela não desse conta daquela goma branca. Mas, as manchas ficavam e lá ficava eu, ruborizado perante o tom irónico e provocativo da mamã, porque uma vez mais tinha de lavar os lençóis. Ainda a ouço dizer:

- Ó rapaz faz lá isso na casa de banho!

Imaginarias a vergonha?! Sim tu!... Pestinha atreves-te a esbanjar sensualidade por todos os cantos e esquinas. Cantos e esquinas?! Só podia ser, côncavo e convexo, tudo ruma para o…SEXO! Não há nada que escreva que não acabe, mesmo sendo inconsciente, no…SEXO! Dizem que o desejo mais desejado é aquele que nunca foi consumado. Talvez seja por isso! Como desejaria que me provasses que esse provérbio pudesse estar correto!

Perdi-te de vista por uns tempos. Foste para a universidade e eu, ingressei na minha outra paixão. «Longe da vista, longe do coração!» pensava eu, que seria assim se nunca mais te visse. Deixaria de ser este louco alucinado que te fotocopiava em pensamentos, vezes sem fim…e logo, nas páginas mais escaldantes! Iria cumprir com as minhas missões humanitárias em África e tudo ficaria resolvido. Mas, não foi assim, via uns cabelos longos e negros e o fantasma erótico assolava-me. Visitavas aquilo que deixara em ruínas de propósito e erguias, novamente, o palácio do desejo.

Atravessei África de lés-a-lés. Angola, Moçambique e Guiné. Apaixonei-me de novo! Só que, dessa vez, era por aquela terra vermelha e fértil, onde seu festivo e humilde povo…morria de fome! Ajudei a construir regadios, escolas e lecionei sem que houvesse cadernos ou livros. Ensinei a plantar culturas nos jardins das escolas e tentei que as crianças maiores soubessem uma profissão. Ocupei todo o tempo, para não sonhar-te, com aquilo que amava fazer! Ficou mais fácil mas, não desapareceste!

Tens o teu bâton gravado na chávena. Provocadora!... Até uma chávena tem mais sorte do que eu! Quem me dera ser chávena e derreter-me em líquido quente na tua ávida e preciosa boca! Ai!...essa tua boca já percorreu e provou todo meu corpo (em sonhos, claro!).

(…)

- Dá-me lume?

«Todo eu sou chama!» apeteceu dizer-lhe. Neste dia histórico, ela viu-me e pediu algo! Já não sou invisível à iris do seu olhar. Todo eu tremi, esbaforido procurando pelo isqueiro que insistia esconder-se para me fazer passar por vergonhas.

- Não faz mal, dá-me lume daí!...

E eu fiquei em sufoco, em suspensão, em modo “pause” porque a direção que seu dedo indicava era “aquela”. Onde ficava o apêndice flamejante que desejava, não só dar-lhe lume, como incendia-la de prazer. E até deitava lume!...

Estúpido! Era o cachimbo que estava na mesma direção e era esse, que ela se referia. Aproximei-o dela! Ela colocou sua sedosa e delicada mão, coroada de unhas felinas aguçadas, debaixo da minha. Abaixou-se um pouco e sugou-me! Sim, enquanto sorvia o lume para acender o cigarro, caí no deleite de estar sendo absorvido por ela. E a maneira maliciosa, em como colocou seus olhos brilhantes fixados nos meus (já sem os óculos graduados), fez-me disparar o coração. O ritmo era tão alucinante que era capaz de gerar energia suficiente para elevar um foguetão até à lua…bastava que fosse até à sua pele nua!

Olhou para o que estava escrevendo e fiquei em pânico. Será que ela se apercebera e apanhara-me com a boca no trombone?! Apenas disse:

- Reparei que passou o tempo em que aqui estive escrevendo. Venho todos os dias a este café e vejo-o sempre a escrever. É um escritor?

- Escrevo mas nunca publiquei um livro!

Respondi eu, mentindo com todos os dentes que tinha, tentando disfarçar meu embaraço.

- Olhe que vou querer um livro seu, quando o publicar. Gosto muito de ler, especialmente, poesia e já que somos frequentadores comuns deste espaço, ficaria muito feliz por lê-lo.

Fiquei ruborizado. Será que ela estaria a enviar-me uma indireta? Saberia que eu era o autor dos poemas da sua juventude?

Disse-lhe, tentando desviar seu interesse e com receio de ser apanhado por aquilo que escrevia:

- Não sei se algum dia, alguém vai mostrar interesse por estes meus rabiscos. Para além disso, o que escrevo não é poesia e sim, um romance erótico!

- Hum! Também, gosto! As cinquentas sombras de Grey é um livro fascinante. Sou daquelas que acha que existe muita poesia numa prosa bem elaborada.

- Não li esse livro. Creio que não o irei ler!

- Porquê?

- Porque não sou muito de modas e “bestsellers”! Prefiro entrar numa livraria e sentir que um determinado livro me chama. Gosto de desfolhar a virgindade da imprevisibilidade e ser surpreendido!

- Essa sua última expressão foi muito poética!... É engraçado, sinto que o conheço de algum lado!

Encurralado! Que iria eu fazer perante semelhante revelação? Mostrava quem eu era ou escondia-me no meu disfarce? Engoli em seco…tão em seco, que as palavras saíram exaustas, devido ao calor excessivo do embaraço:

- Vê-me todos os dias aqui. Talvez, seja essa a razão!

Lançou-me um sorriso arrasador. Daqueles sorrisos que destroem torres de babel e mentiras ocultas disfarçadas. Senti-me despido. E a inquietude apossou-se de mim sendo um espírito malévolo troçando da minha fragilidade.

Despediu-se:

- Foi um prazer conhecê-lo…senhor?

- Celestino Dias. Tino para os amigos e amigas.

- Belo nome para autor de um livro. Precisamos, todos, de dias celestinos!

E começou a rir-se. Eu acompanhei. E, ainda, disse cumprimentando-me:

- Sou a Carmen. Tenho ascendência andaluza, daí o nome espanhol. Obrigado pelo lume!

Será que ela sabia que era eu o responsável daqueles bilhetes?! Será que aquele sorriso que me ofereceu e, o outro, ainda mais provocador, quando se dirigia para a sua mesa, era uma sedução? Ou, aquele sorriso é, simplesmente, o seu sorriso normal?

Ela nem imagina as minhas sombras! São mais de cinquenta! Todos os dias da semana venho voluntariamente oferecer-me à tentação. Acordo cedo para oferecer minha alma ao pecado: A gula de um pequeno-almoço cheio de tentações açucaradas; A preguiça de estender-me ao relaxe do ócio; A luxuria pecaminosa dos meus pensamentos ardentes; A inveja de não ser eu o escravo daquela rainha da lascívia; o único momento do dia em que coloco mais um prego no meu caixão saboreando este cachimbo. Tudo isto e se calhar muito mais!

E, agora, o que faço?! Já não sou o anónimo admirador daquela estrutura incandescente e voluptuosa. Tudo será diferente! Perdeu-se este não sei quê platônico que existia. Abriu-se um imenso trilho perigoso de possibilidades. Agora tudo pode acontecer!

Se arriscasse a dar um passo na sua direção perderia tudo aquilo que construi. Isso que construi é, também, uma maravilhosa paixão. Paixão…não! Amor!… Paixão é o que sinto por ela. O mais certo, era acabar por fazer ruir o meu ninho, sem saber se, verdadeiramente, iria voar!

Estou uma confusão! Balanço entre medos e entusiasmos, possibilidades e incapacidades. Se fosse naquele tempo de estudante tudo seria diferente. Nessa época estava totalmente disponível para ela. Agora não, estou comprometido e ela, também!

As mãos de seda de Carmen não disfarçaram aquela aliança. Nem tão pouco, aquelas unhas felinas, que desejei ter cravejadas nas minhas costas! Não sou masoquista mas pensar que elas as cravejaria pelo simples facto de estar a dar-lhe prazer insuportável…era delicioso!

Carmencita passaria a ser minha concubina! Iriamos dançar no ardente compasso “del Flamenco”. Estou ouvindo aqueles acordes ciganos penetrantes e nos corpos desenhando coreografias nos lençóis. “Caliente”!

Há um fogo imenso nela. Talvez, seja a herança daquele sangue andaluz. Anda…vem dar-me luz! Vamos criar uma erupção…uma nova estrela no universo. Eu já sou fogo só por te sentir perto, imagina o que aconteceria se nossos corpos colidissem?

Estou louco! Como posso atrever-me a estes devaneios?! Venho aqui para ter cerca de uma hora de pecado. Depois de experimentado o outro lado, sinto que fico com minha alma mais liberta. Sigo o resto das horas completamente dedicado na minha missão. Em 24 horas do dia, retirando as que se dormem e onde o inconsciente toma conta de nós, existe apenas uma em que me ofereço para descer e as outras todas, em que me entrego para Deus.

Não sou casado. Sou comprometido. Ela não conhece minha batina. Não sabe que a uma distância de cerca de 10 quilómetros, existe uma aldeia onde sou pároco. Dediquei-me a esta vida porque amo o que faço e porque nunca houve um sinal dela mostrando que havia uma possibilidade de relacionamento. Sou apenas um homem, não sou Deus! Amo servir a minha comunidade e coloco que há de melhor em mim nesse serviço. Também, a amo! Não consigo apaga-la da minha existência.

(…)

Safada como te atreves?

Vieste ter comigo, novamente. Sei que jamais voltarei a esta esplanada. Jamais, poderei ter esta hora de pecado por dia. Serão todas as horas de pecado ou todas de santidade. Não há meios-termos!

A estabilidade do meu universo colapsou. Enquanto tu eras inatingível existia um muro que me protegia de conhecer outro lado. Agora sei que sabes quem sou! Será que sabes há muito tempo?! Será que investigastes quem era porque reparaste que meus olhos te seguiam hipnotizados? Porquê somente agora?

Deixaste um guardanapo com teus lábios gravados, um poema (que havia escrito para ti) e um número de telefone.

Teu balanço é onda que me mareia

Reflexo do sol que me encandeia

Mar salgado de tentação!

Só tu podes ser a sereia…

a dona deste querer que serpenteia

todo o desejo de meu coração!


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